Revista Intermídias

Ensaios Visuais

A terra que falta (em três atos)

Fotos: Rodrigo Rossoni
Texto: Ludmila Brandão

I Ato

Ali, onde a terra se impõe como matéria excessiva e bruta, aprisionando vidas, roubando tempo e marcando corpos, o sonho que se fabrica atravessa o arame farpado, rola no asfalto, se vestindo de cor e artifício. 

Crianças trabalhadoras no corte da cana em Itapemirim, ES, 1997. 
Criança trabalhadora na “panha” do café em Nova Venécia, ES, 1997. Aos sete anos de idade, sofreu um acidente de trabalho cortando mandioca para a produção de farinha.

II Ato

Mas aqui, onde a terra evadiu-se, como matéria e como sonho, onde se perdeu sob o asfalto ou sob o verde homogêneo da grama das praças, sobra para esses garotos cheirar qualquer coisa em lata refugada de coca-cola. 

Crianças que vivem nas ruas de Vitória, ES, 2001.

III Ato

Curiosamente lá, onde a terra existe apenas como sonho, esse é o lugar onde ela não falta, seja como idéia, seja como matéria. Lá, sobra chão de barro batido para acolher o bebê que dorme na cama improvisada de cueiro e palha, na casa improvisada de lona, no bairro improvisado do acampamento, na cidade improvisada do conjunto habitacional de casas todas iguais, para onde as crianças seguem alegres, descalças, sem medo. Sobra terra-sonho para inventar futuro.

Criança Sem-Terra dormindo no acampamento do MST às margens da rodovia BR 101 em Fundão, ES, 1997.
Criança Sem-Terra no acampamento em Fundão, ES, 1997. 
Crianças no Assentamento Nova Esperança em Vila do Riacho, Aracruz, ES, 1997. 

Rodrigo Rossoni

Fotógrafo, jornalista, Mestre em Educação pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) com pesquisa sobre fotografia e construção de identidade de crianças do MST. Atualmente é professor de fotografia e de comunicação e educação na Faesa e de fotojornalismo na Ufes. Já atuou como repórter fotográfico para vários jornais em Vitória, ES.


Ludmila Brandão

Arquiteta, historiadora, Doutora em Comunicação e Semiótica com pós-doutorado na Université d’Ottawa (Canadá) na área de crítica da cultura. É professora da Universidade Federal de Mato Grosso e autora de A casa subjetiva: matérias, afectos e espaços domésticos (São Paulo, editora Perspectiva, 2002).


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